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Os ultimos post’s que tenho escrito sempre dei um tom jocoso à coisa, porque esse sempre foi o meu sentimento desde que aqui cheguei, com abertura e levando as situações sempre para o lado mais caricato.
Muitas vezes vocês perguntavam como é que eu aguentava, e realmente até esta semana nunca tive de fazer um esforço para aceitar este modo de vida, bem diferente do nosso!
Mas durante esta semana devido as situações fui vendo as coisas de outra maneira.
Problema 1:
Segunda-feira de manha cheguei a Luanda depois de uma curta visita a Portugal, como é normal coloquei na mala todos os bens que sentia falta por cá e acreditem que eram alguns. Aterro e ligo ao motorista que estava à minha espera para avisar que tinha chegado.Dirijo-me à passadeira estavam 3 voos na mesma passadeira, imaginam a confusão de malas, os angolanos quando vão a portugal trazem este mundo e o outro.Esperei pacientemente pela minha mala mais de uma hora, e não havia jeito de ela aparecer. Dirijo-me aos perdidos e achados para reclamar a mala, preencho a declaração de perda de mala.
Saio do aeroporto e ligo ao motorista para saber onde ele estava, ao que ele me diz que como não lhe tinha dito mais nada, que se tinha ido embora, algo completamente normal aqui por estas bandas. Aguardo pacientemente mais uma hora à espera que ele me venha buscar e vou para o trabalho. Ainda hoje, sexta-feira continuo sem a mala apesar dos esforços para a tentar encontrar.
Julgo que o problema até deve ser de Portugal, onde é típico as malas desaparecerem.
Problema 2:
Antes de ir à historia propriamente dita, é importante explicar alguns pontos.
Eu estou em Angola a trabalhar para um entidade governamental, e por isso, é desta entidade que tenho o meu visto de trabalho. Mas temos um parceiro que é ao mesmo tempo nosso subempreiteiro (fornecedor) nessa obra, e é as instalações deles que normalmente uso como escritório, e onde venho tratar de todos os problemas relacionados com a obra, e outros, visto que foram eles que me arranjaram alojamento e me disponibilizam os diversos recursos que vou tendo necessidade.
Estava eu muito bem sentado no escritório do referido parceiro, sentado numa secretária a por o trabalho em dia, e vem um funcionário da empresa avisar que a DEFA, o nosso equivalente ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, está no exterior da empresa e que vai entrar para fazer uma visita de rotina e validar os passaportes e os vistos do pessoal. Várias pessoas desatam a arrumar as coisas e aproveitam a confusão inicial para fugir. Eu mantenho-me no meu lugar convicto que tenho tudo em dia, e que não estou a cometer nenhuma ilegalidade.
O inspector da DEFA dirige-se a mim e pede-me o passaporte, eu entrego-lhe e ele vira-se para mim e diz, você esta ilegal, ao que eu respondo, está a ver a página errada, ele estava a olhar para o visto ordinário que usei quando entrei em Angola e que já estava caducado. Ele muda a página e olha para o meu visto de trabalho e sai com o passaporte na mão. Eu vou atrás dele e peço-lhe que me devolva a passaporte, ele diz que estou em situação irregular, que estou a trabalhar numa empresa com visto de outra. Eu explico-lhe que estou aqui como cliente e que estamos a planear o trabalho para a dita obra. Ele responde-me isso você vai ter que provar depois, agora vai connosco. Ou seja se estiveres de visita a uma empresa com visto de outra, uma situação perfeitamente normal, aqui não é possível!
Para alem de mim havia um funcionário da empresa que estava com a situação irregular, e que também lhe tinham pedido para entrar na carrinha.
Depois de várias tentativas para os demover e explicado a situação de todas as maneiras e feitios, de já ter contactado a dita entidade governamental para me tentar auxiliar, todos esses esforços foram em vão e depois de umas duas horas de conversas e de preenchimento dos autos de infracção, eles dizem que temos de entrar na carrinha deles para irmos para as instalações deles.
Dentro da carrinha encontrava-se um chinês, que tinha sido encontrado sem passaporte, e os inspectores da DEFA que eram 4. A lotação da carrinha era de 5 lugares e nós éramos 7. Um dos inspectores da DEFA diz que temos de ir na parte de trás da pick-up, ao que eu me recuso e digo que é ilegal e que eles se quiserem me levar, que arranjem outro veiculo para nos transportar. Eles dizem que não temos tempo a perder, que há jogo da selecção de Angola as 20h, que temos de ir. Continuamos num impasse, e decide-se que vem um inspector com um de nós na parte de trás e que os outros vão dentro. Eu sem mais nenhuma hipótese e já sobre ameaça de nos algemarem e de sacarem a arma, decido ir para a parte de trás da carrinha. Arrancamos e paramos 500 mt á frente, onde está o patrão do chinês, um angolano que conhece muito bem todos os elementos da DEFA, um deles dirige-se ao carro dele, entra e sai passado 1 minuto e manda libertar o chinês. Podem imaginar o que se passou dentro do carro….
Arrancamos já todos dentro do carro, mas com 4 pessoas no banco de trás , em direcção à cidade. Sempre com o pirilampos e as sirenes ligadas, para que não haja hipótese de eles perderem o dito jogo. Fazem as maiores patifarias pelo caminho desde chamarem “preto de merda” a diversos condutores, a gritarem pelo megafone, para os carros saírem da frente, bem como quase passarem por cima de um condutor de mota, e de seguida desatarem a rir. Uma viagem completamente anormal, onde pude apreciar o verdadeiro espírito daquela “gente”. Também assisti ao contentamento de alguns angolanos que passavam na rua ao verem dois brancos a irem detidos naquele carro.
Passado 45 minutos lá chegamos às instalações da DEFA, e já estavam a espera um representante da entidade governamental, e um do nosso parceiro.
O chefe manda os representantes entrar e nós ficamos à espera à entrada. A reunião dura pouco tempo e o chefe manda chamar os homens que fizeram a detenção. Ficam todos reunidos durante algum tempo e mandam entrar de novo os representantes.
Depois de várias entradas e saídas vejo tempo a passar e começo pela primeira vez a ficar realmente preocupado. Um dos inspectores da DEFA, o que tinha assinado os autos, não estava a facilitar, e depois de várias tentativas de arranjar um solução ele mostrava-se irredutível. E a nós esperava-nos um noite na esquadra em Luanda, e de seguida íamos para o centro de detenção de Viana. É preciso lembrar que aqui ninguém é presente ao juiz e que advogados é coisa que nestes casos não serve de nada. No mínimo ficávamos 2 ou 3 dias detidos até se conseguir resolver e explicar a situação.
Depois de mais algumas negociações e sem outra solução, à custa encher muito bem os bolsos a toda à gente somos libertados.
Ainda lhes pergunto o que posso fazer para ter a minha situação regular, sempre que tiver lá na empresa, ao que ele me responde, – não complica, chefe.
À parte disso, o meu passaporte ficou na esquadra onde me passaram uma multa por ter sido apanhado sem passaporte, para poderem justificar o trabalho deles e todo aquele movimento. E por fim tivemos de devolver os autos originais para eles poderem rasgar.
Depois deste dia, fiquei com a olhar para este pais com outros olhos, é pena… mas Roma e Pavia não se fizeram num dia.